Arte na Joalharia: de Dali a Kapoor

Artistas contemporâneos famosos de várias áreas artísticas aventuraram-se no mundo da joalharia, mostrando abordagens inovadoras, contribuindo indubitavelmente para a introdução do Conceito, do significado e de estéticas próprias, contrapondo a preocupação tradicional com o valor dos materiais.
Destacamos aqui algumas contribuições únicas:

Salvador Dalí
Salvador Dalí, conhecido pelas suas pinturas surrealistas, colaborou com a Cartier para criar peças extraordinárias e imaginativas. Os designs de joias de Dalí frequentemente incorporavam elementos surrealistas, como relógios derretendo, rostos distorcidos e imagens oníricas. Através de suas criações de joias, Dalí deu vida às suas visões caprichosas e fantásticas em arte usável, ampliando os limites do design tradicional de joias.

Salvador Dali - Broche, ouro, rubis e diamantes, Honeycomb Heart, Circa 1953

Alexander Calder
Alexander Calder, famoso pelas suas esculturas cinéticas, também se aventurou no design de joias. As suas peças de arte usável eram caracterizadas por formas abstratas e pelo uso de materiais não convencionais. As jóias de Calder abraçavam o movimento e transmitiam um sentido de ludicidade.

Alexander Calder - Broche latão e fio de aço

Pablo Picasso
Pablo Picasso, um dos artistas mais influentes do século XX, colaborou nos anos 70 com François Hugo para criar as suas jóias e objetos mais conhecidas de edição limitada.

Pablo Picasso (1881-1973) & François Hugo (1899-1981) Dezanove medalhões de ouro

Mas a história menos contada e conhecida sobre o início do percurso de Picasso na joalharia é a história das jóias que Picasso fez muito antes, na década de 1930, para a sua amante Dora Maar.
Só após a morte de Maar, em 1997, é que este surpreendente espólio veio à luz do dia. No seu apartamento em Paris, descobriu-se um museu virtual de Picasso: cerca de 60 desenhos, 10 pinturas no valor de milhões, uma série de fotografias que Maar fez do seu amante, do seu trabalho e dos seus amigos famosos, e uma série de recordações. Entre elas, encontram-se vários broches, anéis e amuletos que Picasso criou para ela, incluindo jóias pré-fabricadas nas quais Picasso inseriu retratos em miniatura, principalmente de Maar. Desconhecia-se, até esta descoberta, que Picasso fazia jóias antes das suas colaborações comerciais com François Hugo.

Fotografia de Les Picasso de Dora Maar catalogo de leilão de Outubro de 1998, na PIASA em Paris, salvo indicação contrária

As experiências de Picasso com amantes, familiares e amigos fazem com que, na altura em que conhece François Hugo, em 1955, esteja relativamente bem familiarizado com a joalharia. Foram apresentados um ao outro por um amigo comum, o crítico de arte e coleccionador Douglas Cooper. Juntos, trabalharam numa série de grandes compotiers, travessas de servir feitas de ouro e prata, utilizando a antiga e demorada técnica da repuxagem, martelando para relevo. As peças apresentavam rostos abstractos, texturas, touros, bailarinas e o perfil de Jacqueline. Foi a partir desta série de desenhos de compotier que Picasso criou vinte e dois medalhões de ouro (cada um numa edição de vinte com duas provas de artista) e algumas outras peças adicionais. Realizou também outras peças com formas e imagens diversas. Cada imagem é imediatamente reconhecível como sendo da mão de Picasso. Após dez anos de colaboração com Picasso, em 1967, Hugo foi autorizado a produzir estes medalhões de edição limitada para venda. As peças tinham a assinatura conjunta de ambos e eram sempre apresentadas numa caixa de madeira simples, típica do atelier Hugo. O certificado de autenticidade era frequentemente colado no interior da tampa da caixa, mas ainda hoje não existem muitos. O filho de François Hugo, Pierre, continuou a fazer a edição após a morte de Picasso e de François. Estas são geralmente apresentadas numa versão moderna da caixa com um certificado separado.

Para um artista tão prolífico, existem apenas pequenas quantidades de jóias. Existem algumas peças únicas feitas de prata, terracota ou outros materiais não preciosos. Estas foram feitas por ele como presentes especiais para os seus entes queridos e são muito apreciadas.

Pablo Picasso (1881-1973), François Hugo (1899-1982), Touro, travessa de servir em prata, ref. 1413, série 13/20

Pablo Picasso, François Hugo, série limitada de 24 travessas de servir em prata repuxada, criados em 1955-1956. Cada prata contém a assinatura de Picasso, a marca de Hugo e número da série.

As joias de Picasso apresentavam motivos abstratos e cubistas, incorporando pedras preciosas vibrantes e materiais não convencionais. Seus designs de joias espelhavam sua abordagem inovadora à arte e acrescentavam uma nova dimensão ao seu legado artístico.

LE GRAND FAUNE, 23K GOLD, 20/20 EDITION FRANÇOIS HUGO AFTER PABLO PICASSO, 1973 (PRIVATE COLLECTION OF DIANE VENET)

Anish Kapoor
Anish Kapoor, um escultor contemporâneo conhecido por suas instalações de grande escala, também se aventurou na criação de joias. As peças de joalharia de Kapoor são caracterizadas por suas qualidades esculturais e sua capacidade de transformar o corpo humano em uma tela para sua expressão artística. Seus designs frequentemente apresentam metais polidos, formas geométricas e superfícies reflexivas, criando um jogo cativante de luz e forma.

Conclusão:

A incursão de artistas famosos de outras áreas artísticas na joalharia mostra o apelo duradouro e a versatilidade deste meio artístico. Desde as criações surrealistas de Dalí até os designs cinéticos de Calder, os motivos cubistas de Picasso e as expressões esculturais de Kapoor, esses artistas expandiram os limites da joalharia, infundindo-a com suas visões artísticas únicas. Suas contribuições servem como inspiração para artistas-joalheiros aspirantes, enfatizando o potencial para exploração artística e inovação dentro do mundo do design de joias. Ao explorar diferentes formas de arte, esses artistas demonstraram o poder transformador da criatividade e as possibilidades ilimitadas que surgem quando os artistas se aventuram além dos limites de seus meios primários.